A mente revelada
[Narrador] Entrar na experiência humana é entrar em um grande esquecimento. O véu da mente condicionada obscurece a verdade de quem realmente somos, lançando-nos em um mundo de separação, limitação e dúvida. Então, quem é você realmente? Você é só uma mente vivendo em um corpo, navegando pela vida, tentando encontrar felicidade e evitando o sofrimento? Ou, talvez, algo totalmente diferente, muito mais profundo, algo eterno, que não pode ser explicado em palavras. Algo que, quando percebido, traz verdadeira paz e realização. Aqui nós vamos olhar além do véu da mente, além dos pensamentos e das sensações, para descobrir a verdade de quem realmente somos.
[Narrador] Então, o que é a mente? Em nossa história, essa pergunta vem sendo feita várias vezes. Desde as primeiras pesquisas espirituais e científicas da humanidade, a mente humana tem sido conceitualizada e entendida de diferentes maneiras por diferentes culturas. Os seres humanos têm utilizado filosofia, psicologia e teorias científicas, bem como a investigação direta para penetrar nos segredos da mente, para encontrar quem somos além da mente e do corpo.
[Tom Das] Normalmente pensamos na mente como algo que existe na cabeça, como o cérebro, e que tem a ver com o pensamento e com a cognição, mas a mente é muito mais profunda que isso. É na verdade dualidade. Também é conhecida como Maya ou Ilusão. Também é conhecida como ego.
[Narrador] Em latim, ego significa “eu”. Quando seu sentido é limitado a alguma coisa, é maya, ilusão. Mas quando é ilimitado, quando desperta como a própria consciência, onde todos os fenômenos surgem e desaparecem, então, não há mais uma identificação com o “eu” separado.
[Rupert Spira] O verdadeiro significado da palavra “eu” é conhecimento e consciência infinitos. Esse é o único “eu” ou Eu que existe. Entretanto, para a maioria de nós, o senso de nós mesmos tornou-se tão emaranhado no conteúdo da experiência… pensamentos, imagens, sentimentos… nós não nos percebemos como somos essencial e originalmente. Nos conhecemos de uma maneira modificada, misturada com o conteúdo da experiência. Esta mistura do verdadeiro e único “eu” de infinito conhecimento ou infinita consciência com o conteúdo da experiência faz esse EU ilusório, que é o que geralmente é chamado de ego ou EU separado.
[Shakti Caterina Maggi] O ego é uma ideia muito persistente, forte, sólida, de que somos uma pessoa, uma entidade separada dentro da mente-corpo. Ou, às vezes, achamos que somos uma mente-corpo.
[Louise Kay] O ego é um aspecto da mente que se forma numa idade jovem e é o aspecto que nos dá a sensação de que sou um eu individual.
[Lisa Natoli] O ego é literalmente uma entidade inventada e não é real, e é aquilo com que nós nos identificamos como o corpo. É a parte da mente que pensa que está separada.
[Amoda Maa] O ego é a percepção que tenho sobre mim, mas não é o verdadeiro eu. É uma construção imaginária de mim, mas não quem eu sou. Fundamentalmente, o que sou é mais profundo, é essa presença oculta que está sempre aqui.
[Narrador] A mente dual é composta por dois aspectos fundamentais: a testemunha e o que é testemunhado. Existem os fatos do mundo feito de sensações, percepções e preferências egoicas e a sensação de que existe um “eu” que é separado, testemunhando. O despertar é acordar dessa dualidade, da divisão entre quem testemunha e o que é testemunhado, entre o sujeito e o objeto, para perceber a consciência primordial que está sempre presente.
[Steve Taylor] Se você observar as crianças, elas não têm ego e vivem em um estado de participação. Vivem em estado de satisfação, porque não estão separadas do mundo.
[Loch Kelly] Quando nascemos, somos dependentes e ainda não possuímos raciocínio conceitual. Quando crescemos, desenvolvemos conceitos e o autoconhecimento, que é a habilidade de refletir sobre o que fazemos para nos tornarmos independentes. Então, esse processo de pensamento se torna nossa própria identidade.
[Narrador] A formação do ego começa logo depois do nascimento. Começamos a desenvolver uma identidade pessoal, que então chamamos de “eu” ou “mim”. O estágio do espelho do desenvolvimento humano, quando a criança se reconhece no espelho, ocorre entre 6 e 18 meses de idade. Esta é apenas uma parte da formação do ego por meio do processo de identificação. Não é que nosso ego seja formado pelo processo de reconhecer um personagem no espelho. Isso faz parte do processo de socialização ou condicionamento, e somos tratados como uma pessoa separada, um “eu” separado.
[Narrador] Aprendemos a identificar um senso de “eu” pelas sensações que surgem em nosso corpo, pela percepção e conceitualização das coisas. A mente divide e separa uma coisa da outra, e então desenvolvemos preferências em relação a essas coisas. Gostamos de algumas coisas, de outras não. Esse “eu” se torna nossa identidade individual, separada e única à medida que avançamos pela vida. É a história de quem acreditamos ser. E a consciência que somos, começa a crer nisso quando estamos muito jovens. Quando somos crianças, ela cresce conosco até que ficamos completamente convencidos de que somos uma pessoa.
[Narrador] Quando crescem e passam da adolescência para a fase adulta, desenvolvem um senso de separação; de ser um “eu” que vive dentro de suas cabeças. Assim, elas se tornam egos separados que vivem em estado de desejo, um estado de incompletude, cujas vidas são dominadas por um desejo de acumular coisas para compensar sua incompletude.
[Narrador] É a mente que causa todos os problemas. A mente é um poder que cria toda a ilusão da separação, toda a ilusão ou aparência de ser uma pessoa vivendo em um mundo.
[Francis Lucille] Nós podemos experimentalmente verificar que toda vez que experimentamos sofrimento psicológico, podemos rastreá-lo até a crença de ser essa pessoa separada, essa entidade separada. Não há exceções, não há exceções. Não estou falando de dor física, mas o sofrimento psicológico é absolutamente desnecessário, pois se baseia na crença de ser esse corpo-mente separado ou aparentemente separado.
[Narrador] Porque somos como fragmentos que foram separados do todo, como peças de quebra-cabeça que se desconectaram e se espalharam. Então, existe o sentimento de que “algo está faltando”, “algo não está certo”. A mente parece ser um obstáculo intransponível. Como podemos superar a mente? A mente parece não ter fim.
[Narrador] A tentativa de conquistar a mente usando a mente cria uma luta sem fim. É como tentar se levantar puxando o cadarço das próprias botas. A estrutura do ego pode se sentir devastada, perdida e confusa, sentir que a vida não tem sentido. E conforme essa mente que busca luta, experimenta o que São João da Cruz chamou de “A Noite Escura da Alma”. Essa é uma parte necessária do processo de desilusão. Somente quando deixamos de lado a busca e a falsa identificação com o buscador é que entramos em união direta com a vida.
[Amoda Maa] Eu estava em um bom lugar em minha vida. Eu meio que tinha desistido da busca espiritual, não porque eu tivesse desistido, mas porque não havia mais nada a buscar. Eu não estava buscando iluminação, não estava buscando despertar. Eu estava buscando paz e felicidade e encontrei aquela entrega a aquilo que é o único caminho, e a vida era minha professora. Depois de muitos anos buscando, tudo desapareceu. A estrutura do eu que eu conhecia caiu.
[Amoda Maa] Eu estava sentada em minha sala de estar e, após algumas semanas, uma grande desolação interior parece ter aparecido em mim. Foi inesperado, esta vasta paisagem interior de escuridão… uma espécie de abandono, abandono existencial da vida propriamente dita. E eu percebi como o movimento da mente queria sair desta paisagem interior de escuridão. Eu me perguntei: “Qual o significado do sofrimento? Qual é a natureza do sofrimento? Como o sofrimento pode cessar?” Ou, talvez, ele não tenha fim. E naquela questão, o que se levantou foi este desejo de não se mover de onde eu estava, de não sair daquela paisagem escura, e de me entregar para aquilo, mesmo se significasse meu fim. Eu não sabia o que significava o meu fim, mas veio como um tipo de conhecimento que ainda não estava consciente, e naquele momento totalmente inesperado toda a estrutura do eu morreu. Como se todo o ‘eu’ identificado morresse e, espantosamente, houve uma fusão com a própria vida, o que acabou com a separação entre mim e a vida.
[Amoda Maa] E daquele momento em diante, eu sabia que eu e a vida éramos um, não havia separação. Está tudo no movimento da mente. E daquele ponto em diante, toda a estrutura desta ‘Amoda’ que tinha sido construída sobre uma identidade de vítima — não apenas uma vítima das circunstâncias, mas uma vítima dos meus sentimentos, uma vítima das emoções, uma vítima dos pensamentos, e, portanto, constantemente tentando mudá-los, mudar pensamentos, mudar sentimentos, torná-los melhores, torná-los mais positivos, torná-los mais elevados — acabou. E sem a vítima, era como se eu tivesse nascido de novo.
[Amoda Maa] Então, eu morri e renasci assim. É como se todos os véus da percepção que foram construídos na identidade da Amoda — com sua história, seus pensamentos, suas crenças, suas experiências — simplesmente tivessem se desfeito. Então, eu fiquei totalmente nua a partir daquele momento e nunca mais mudou.
[Narrador] No Budismo, a primeira Nobre Verdade é que existe sofrimento. Existe uma insatisfação inerente à mente condicionada. Dukkha ou a insatisfação crônica da mente abrange não apenas dor física e emocional, mas também outras formas sutis de insatisfação, como a impermanência inerente a todas as coisas e a inabilidade de encontrar satisfação duradoura em atividades mundanas. A verdadeira felicidade e realização não são encontradas em atividades materiais externas.
[Angelo Dilullo] Até mesmo quando as coisas vão do jeito que pensamos que deveria, mesmo quando estamos cumprindo o script, sendo uma boa pessoa, tendo relacionamentos bem-sucedidos e carreiras de sucesso, muitas vezes há essa sensação subjacente de que algo simplesmente não está totalmente certo. Algo está faltando, algo que não estamos percebendo com precisão. E quanto mais de perto olhamos para isso, muitas vezes torna-se mais vívido, mais óbvio. Então, o que eu geralmente considero como a primeira etapa do processo do despertar é a percepção de que nós sofremos. Poderíamos resumir dizendo que é tipo um senso de que a vida simplesmente não está funcionando direito, ou, talvez, que eu não estou funcionando direito na vida. Mas, é desconfortável… E é uma bênção que seja desconfortável, porque isso nos leva a esta investigação que pode nos levar a lugares que nunca poderíamos ter imaginado.
[Francis Lucille] Por que as pessoas sofrem? Se falamos sobre dor física, precisamos entender que a razão pela qual experienciamos dor é porque dor física é um mecanismo de proteção que geneticamente herdamos. Se nunca experienciássemos dor, iríamos constantemente bater em objetos, beber ácido sulfúrico, e nosso corpo não duraria muito tempo. A razão da dor psicológica é diferente. Ela é: “você está cometendo um erro”. Então, dor psicológica não é um problema; é o começo da solução. A dor psicológica nos ensina uma lição sobre outro erro que estamos cometendo: acreditar que somos separados. Este é o erro… é um erro fundamental. É o pecado original, o pecado original que nos chuta para fora do Paraíso, do jardim do Éden.
[Narrador] O significado original da palavra pecado significa “errar o alvo”. A consciência egoica é um estado patológico da mente, assim constantemente erramos o alvo. Este é o significado de “a queda”. Estamos focados nas frutas da árvore do conhecimento do bem e do mal, focados em pensamentos. A mente dual é feita de fenômenos que formam o mundo percebido: feita de sensações, percepções, preferências egoicas, e este senso de que há um “eu” que é separado, testemunhando. É este pensamento de “eu” que é a raiz da identificação com o ego.
[Rupert Spira] Qualquer coisa que estivermos experienciando, sou eu que estou experienciando. Se eu estou triste, ansioso ou sozinho, sou eu quem está tendo esta experiência. Se estou falando com você, sou eu que estou falando. Se estou vendo o mundo, sou eu que estou vendo o mundo. Então, todas as nossas experiências giram em torno desse “eu”. “Eu” é o personagem central em toda a nossa experiência, então essa é a investigação essencial… o pré-requisito para o despertar: explorar e reconhecer a natureza do “eu” ou do ser que realmente somos.
[Narrador] No Sutra do Coração, uma das mais reverenciadas escrituras do budismo, diz-se que para sermos libertos, devemos perceber que todo este mecanismo da mente dualista é vazio de eu. Quando o pensamento do “eu” cai, a própria dualidade se dissolve. A forma é percebida exatamente como o vazio, o vazio exatamente como forma. No estado de samadhi, o vazio dança como plenitude, a quietude é inerente ao movimento, o silêncio é inerente ao som. A vida é experienciada diretamente, não mediada através do filtro da mente. Quando nós não corremos mais atrás dos frutos da árvore do conhecimento do bem e do mal, quando não interagimos com o mundo da maneira antiga, é a liberação, o fim do sofrimento.
[Shakti Caterina Maggi] Enquanto acreditarmos que temos nossa própria mente, ou nossa própria ignorância, ou nosso próprio ego, é porque estamos vendo isso de um ponto de vista separado, e isso está bem — no início é assim que você verá. Mas isto não é a realidade. Na realidade há apenas vida. Isso é tudo. Pura vida em ação. Então, sofrimento é esta resistência à vida, resistência ao nosso “sim”, resistência ao nosso “não”, resistência ao que quer que esteja surgindo, porque nos sentimos separados. E o despertar é a cura desta separação, da ideia de estarmos separados.
[Narrador] Podemos começar a entender a resistência egoica na mente observando o princípio mais amplo de como a energia se move no universo. Uma maneira de entender é através da figura de Lichtenberg. A figura de Lichtenberg é um padrão que ocorre quando uma descarga elétrica de alta tensão atravessa materiais. A descarga elétrica cria padrões de canais ramificados que parecem árvores. Neste exemplo, a eletricidade está atravessando a madeira. A figura de Lichtenberg é criada pela injeção de trilhões de elétrons em um bloco de acrílico usando um acelerador de partículas de 1 milhão de volts.
[Narrador] Toda a matéria física — neste caso, o bloco de acrílico — é uma resistência ou desaceleração da energia. Em uma tempestade elétrica, a resistência do ar afeta a formação do canal de condução e o fluxo da corrente. Quando observamos as estruturas ramificadas criadas pela energia, estamos vendo o caminho que essa energia tomou através do meio ao longo do tempo. Estes padrões semelhantes a árvores ou galhos são encontrados em todos os níveis e escalas da natureza, do micro ao macro. O tecido do universo é um jogo de formas, um jogo de resistência: uma mente gigante brincando de esconde-esconde consigo mesma.
[Narrador] Samskaras, ou padrões inconscientes, são criados quando a carga de uma experiência é alta. Energias se combinam e o pensamento do “eu” surge. Surge a resistência. Se não há resistência, então a energia apenas flui através da vida. Mas quando há resistência, quando surge o “eu”, então a energia se ramifica, criando novos caminhos na mente inconsciente. Esses padrões funcionam autonomamente, escondendo-se e crescendo nas sombras, até que sejam revelados e integrados conscientemente de volta ao todo.
[Helen Hamilton] A primeira lembrança que tenho é de estar muito assustada e não saber o porquê. Eu sentia que algo ia dar errado a qualquer momento, e esse sentimento persistiu por toda a minha vida, se intensificando aos vinte anos. Entrei em uma profunda depressão, mesmo depois de ter quatro filhos. Passei três ou quatro anos realmente procurando por algo, mas eu não sabia o que era. Nunca tinha ouvido falar de despertar, não sabia o que era. Com o tempo, ficou claro que o que eu estava procurando não se encontrava na minha vida exterior. Eu tinha uma boa família, um bom negócio, tudo o que qualquer um poderia querer, mas ainda assim me sentia vazia por dentro. Eventualmente, como parte da cura da minha depressão, descobri a meditação e mergulhei nela.
[Helen Hamilton] Encontrei um tipo de paz, uma profunda sensação de contentamento, e pela primeira vez em toda minha vida aquela sensação de medo desapareceu momentaneamente. Então comecei a tentar entender o que havia acontecido, por que aquele medo havia desaparecido e por que ele voltava. Comecei a pesquisar diferentes caminhos espirituais e acabei encontrando o termo despertar, iluminação, e comecei a tentar entender o que era isso. Eventualmente, 15 ou 20 anos depois, reconheci que o despertar é quando não acreditamos mais em nossos pensamentos. Talvez os pensamentos ainda surjam, mas o medo vinha de acreditar neles, de acreditar que eu era apenas uma pessoa caminhando pela vida. Percebi que sou muito mais que isso — sou infinita.
[Helen Hamilton] Esse entendimento começou a se estabilizar ao longo de cinco anos. Precisei enfrentar todas as crenças internas: sentimentos de não ser uma boa mãe, de inadequação interior. Tive que olhar, investigar e contemplar essas questões. Eventualmente, a paz tornou-se estável sem esforço, e até mesmo a alegria, o amor e, às vezes, até a bem-aventurança surgiam. Uma sensação profunda de que tudo está bem, de me sentir em casa, segura, capaz de me amar, de gostar de mim mesma — algo que antes parecia impossível para mim.
[Narrador] Muitas pessoas têm vislumbres de despertar, mas depois parece que o perdem. Esse é o jogo de “eu consegui e depois perdi” ou “estou desperto e agora a mente voltou”. Isso acontece quando o despertar não é totalmente reconhecido pelo que é. Muitas vezes, há um estado agradável quando ocorre o samadhi — energia, êxtase ou uma mudança de percepção — e então confundimos o estado fenomênico com a verdade do que somos.
[Narrador] Depois de um vislumbre de despertar, começamos a buscar estados ou experiências em vez de reconhecer a consciência que já está presente. A verdade de quem somos não é um estado ou uma experiência temporária. Fenômenos vêm e vão, mas aquilo que permanece — a consciência primordial — sempre é. Se continuamos buscando estados ou experiências, o buscador se torna mais forte e nos afastamos ainda mais da verdade. O buscador está sempre errando o alvo, perseguindo o que é impermanente, como um viciado perseguindo altos temporários. E, como o viciado, o falso buscador sempre chega a um ponto de crise ou de fracasso.
[Bernardo Kastrup] A vida é um festival de padrões aditivos de comportamento. E, quando digo isso, não me refiro apenas a vícios como álcool e nicotina. Tudo o que é predominante na sociedade tende a ser um padrão aditivo: vício em reality shows, vício na vida de celebridades, vício em comprar o próximo par de sapatos. E por quê? Porque estamos desesperados para escapar do modo profundamente sem sentido e antinatural de viver que temos. Mas não sabemos como, então tentamos compensar com vícios.
[Bernardo Kastrup] Compreender a realidade traz uma peculiaridade: faz a vida se alinhar mais naturalmente com o ritmo e o fluxo da natureza. E, se isso acontece, não há mais necessidade de vícios. Vivemos vidas mais plenas, saudáveis e em harmonia, sem aquela visão distorcida de que a vida gira em torno de “mim” separado de todos os outros. Assim como uma flor de macieira que acreditasse que a árvore existe apenas para ela: se isso fosse verdade, não haveria mais maçãs, nem macieiras.
[Narrador] Uma vez que entendemos a verdade, há naturalmente uma virada: de uma vida centrada no ego — alimentando desejos e aversões — para uma vida mais natural, fluida e em harmonia.
[Shakti Caterina Maggi] E então pode acontecer que, em um determinado momento, essa ideia de separação entre em crise, e talvez comecemos uma busca espiritual consciente — ou talvez, antes disso, uma investigação psicológica. Então chega um momento em que estamos prontos para ver além da ilusão de estarmos separados, e a busca espiritual consciente começa. Esta busca pode começar antes mesmo de termos plena consciência de que estamos buscando espiritualmente. Quando nos tornamos conscientes disso, podemos ver o desenvolvimento da vida não como algo contra o qual devemos lutar, mas como um convite para despertar, e assim começamos a nos abrir mais para a vida.
[Bernardo Kastrup] Além disso, o sofrimento é a melhor ferramenta natural para fomentar a compreensão. Não fazemos perguntas profundas a menos que estejamos sofrendo. Se não sofremos, apenas seguimos a corrente da vida de maneira superficial e despreocupada. Nunca paramos para refletir: “Quem sou eu? O que é isso? Qual o propósito de tudo isso?” Sem sofrimento, não perguntamos. Então o sofrimento é uma ferramenta tremenda — muito propícia à compreensão.
[Bernardo Kastrup] Contudo, nós tornamos o sofrimento pior do que precisa ser. Inventamos um sofrimento desnecessário, o que chamo de “meta-sofrimento”. O meta-sofrimento surge daquela voz na cabeça que diz “você está sofrendo e não deveria estar”. Isso duplica o sofrimento. Porque agora, além do sofrimento natural e inevitável, também sofremos por estar em guerra com o sofrimento. O jogo não é eliminar o sofrimento natural — que é uma ferramenta essencial da natureza — mas sim não amplificá-lo desnecessariamente.
[Narrador] Quando deixamos de resistir ao sofrimento, ele deixa de ser sofrimento. Ele se transmuta em algo que nos beneficia. Frequentemente ouvimos, em círculos espirituais, a frase “ame o que é”. É possível amar qualquer dor que surja, renunciando às preferências egoicas, compreendendo que o que aparece é apenas um fenômeno intenso que, na verdade, nos conecta mais profundamente à vida. Permanecendo equânimes com o que é, começamos a purificar os padrões de resistência dentro da estrutura do ego.
[Narrador] Isso nos leva ao paradoxo da entrega. O paradoxo é que aquilo a que resistimos, persiste. A resistência, na verdade, dá poder ao ego. O ego nada mais é do que a própria resistência. Às vezes, acreditamos que não deveríamos sentir certas emoções — raiva, ódio, tristeza — e achamos que estamos regredindo espiritualmente se essas emoções surgem. Mas toda a gama de emoções humanas é necessária. O paradoxo é que, quando aceitamos cada emoção plenamente, sem resistência, ela se transmuta de uma emoção carregada de crenças e julgamentos em um sentimento puro — pura vitalidade — além da mente avaliadora.
[Narrador] Existe uma famosa história zen que ilustra esse ponto:
Um estudante perguntou ao mestre Tenzin: “Quando sua esposa morreu, você sentiu tristeza?”
Tenzin respondeu: “Claro que senti tristeza. Como não sentiria?”
O estudante ficou confuso: “Mas pensei que você, como mestre zen, estaria além dessas emoções.”
Tenzin sorriu e disse: “Ah, você não entendeu. Quando a tristeza veio, eu a senti plenamente, sem resistência. Honrei a verdade daquele momento. Então, como nuvens passando no céu, a tristeza veio e se foi. Mas o céu — a vastidão do meu ser — permaneceu imutável.”
[Victoria Ukachukwu] Meu despertar começou quando eu estava na pós-graduação, quando uma série de experiências pessoais realmente me desafiaram a começar a questionar o propósito da vida — da minha vida em particular — e o significado de tudo isso. Comecei a questionar qual era o sentido de tudo o que eu estava fazendo. A experiência foi apenas estar consciente, sem ser nada em particular. Foi extremamente libertador. Houve uma enorme sensação de alívio, como se algo que estivesse sob grande pressão finalmente se dissolvesse, trazendo relaxamento e alegria. Tudo o que eu queria era apenas ser. Apenas ser. Nada em particular.
[Victoria Ukachukwu] Eu chamo isso de “a grande virada” para mim. Realmente mudou tudo: a maneira como eu via as coisas, como eu experimentava as pessoas, como interagia com o mundo. A grande mudança foi perceber que tudo o que estava acontecendo, tudo o que eu dizia ou fazia, era apenas consciência se expressando. Sempre foi a consciência se expressando, e isso permaneceu. Mas continuou se aprofundando. Era como se eu visse os pensamentos surgindo, e as ações apenas aconteciam. O corpo apenas agia. Eu observava isso acontecer em tempo real, como um participante e um observador ao mesmo tempo. Acho que essa é a melhor parte.
[Narrador] A consciência não escolhe. O verdadeiro Ser está além da escolha. Quando ouvimos isso, podemos pensar: “Então vou desistir de tudo, não farei mais escolhas.” E algumas pessoas tentam isso — vão viver em cavernas, por exemplo. Mas isso ainda é uma escolha. É a mente condicionada escolhendo não escolher. Tanto a escolha quanto a não escolha acontecem no nível da mente condicionada. Mas quem ou o que está ciente da mente? Depois do despertar, descobrimos que o eu condicionado pode continuar escolhendo seu chá favorito, pode comer o que for melhor para o corpo. As escolhas continuam a surgir, mas o senso de “eu” não está mais emaranhado nelas. O pensamento de “eu” cai. Não é mais “eu” quem escolhe ou quem suprime a escolha.
[Shakti Caterina Maggi] Então, o despertar é como demolir as paredes invisíveis do ego, essa armadura, e reconhecer nossa unidade com tudo. E o resultado é extraordinário, porque percebemos que não estávamos sofrendo por causa da raiva, da dor ou da tristeza — estávamos sofrendo porque rejeitávamos a vida. E podemos aprender a nos abrir tanto que nos tornamos conscientemente um com a vida tal como ela é.
[Jan Frazier] Nós preferimos nos sentir bem a sofrer — isso é natural. Algo em nossa espécie, no homo sapiens comum, prefere o prazer à dor. E acho que nos momentos em que percebemos como é bom estar consciente, algo em nós registra isso: “Ah, eu gosto disso. Isso é possível.” E esse reconhecimento reforça a própria consciência.
[Narrador] O despertar pode acontecer em etapas, gradualmente, ou pode ocorrer de repente, como uma virada radical em que de repente sabemos quem somos — como se despertássemos de um sonho. Como se tivéssemos estado adormecidos toda a vida em um personagem sonhado.
[Narrador] Para permanecer desperto, é necessária uma purificação contínua da estrutura do eu. Mesmo após um despertar completo, é importante permanecer vigilante — não acreditar no próximo pensamento — e manter a equanimidade diante do que surge. Caso contrário, padrões inconscientes da mente podem obscurecer novamente a verdade. O inconsciente precisa se tornar um inconsciente transparente.
[Narrador] Se não enfrentamos o que está no inconsciente, podemos cair no que é chamado de “desvio espiritual”. O desvio espiritual é a tendência de insistir que já despertamos para evitar enfrentar emoções difíceis, problemas psicológicos não resolvidos ou desafios da vida real. A mente egoica pode se apropriar de um vislumbre de despertar e impedir que o ser viva verdadeiramente na consciência.
[Jan Frazier] Eu estava sentada na cama, pensando sobre a mamografia que faria no dia seguinte — um exame que me causava uma ansiedade extrema, ano após ano. Eu estava cansada de tanto medo, cansada de temer a morte. De repente, tive um pensamento: “E se eu pudesse fazer isso amanhã sem enlouquecer?” Foi apenas um pensamento, mas algo mudou profundamente. Senti uma onda de certeza de que sim, eu podia. Não sabia como, nem por quê, mas sabia. Foi como um pequeno milagre. Levantei e fui até meu parceiro, que estava trabalhando no computador. Ele olhou para mim e perguntou: “O que foi?” E eu disse: “Algo acabou de acontecer.” Nos dias seguintes, percebi que o medo simplesmente não me impulsionava mais. Eu estava em paz. Minha mente estava quieta.
[Jan Frazier] Minha vida externa era basicamente a mesma, mas internamente havia uma profunda mudança. Demorei meses para compreender que aquilo tinha sido um despertar. Não houve uma grande fanfarra — só a paz constante. Minha mente ficou quieta… e assim permaneceu desde então.
[Narrador] Não pode haver memória do despertar em si. Há apenas memórias de experiências e fenômenos. Sempre que existe uma memória, há um resquício de resistência na mente. Esse resquício é o início do pensamento “eu”. O despertar em si não deixa rastros na mente. Não é uma experiência. A consciência primordial desperta a si mesma, agora, sem mediação da memória e do filtro da mente. Se estamos perseguindo estados ou experiências, tentando viver neles, então nos perdemos. Se vai e vem, se não está aqui agora, então não é a nossa verdadeira natureza.
[Narrador] Vamos tirar um momento para investigar diretamente nossa verdadeira natureza. Diretamente significa: não através da mente. Você não pode reconhecer o que está além da mente pela própria mente. Direcione sua atenção para dentro e esteja atento a este momento. Torne-se consciente da própria consciência. Observe os pensamentos, sensações e emoções que surgem neste espaço — e reconheça também o vasto espaço no qual surgem. Pensamentos, memórias, sentimentos, emoções, energias podem emergir do inconsciente. Este é um processo natural de purificação que acontece quando investigamos. Permaneça aberto a tudo o que surgir como resultado da investigação. Permita-se permanecer no estado natural da mente, livre das limitações da elaboração conceitual.
[Angelo Dilullo] Meu próprio despertar ocorreu essencialmente em dois movimentos fundamentais diferentes. O primeiro veio de um lugar de profundo sofrimento. Eu sabia que estava relacionado aos pensamentos — a forma como pensava, como percebia o mundo, como me percebia. Isso me levou a investigar diretamente a natureza do próprio pensamento — e, ainda mais importante, a natureza do pensador. Com essa investigação direta, o sentido de ser um pensador dissolveu-se. E, com o desaparecimento do pensador, todos os pensamentos perderam o significado para mim.
[Angelo Dilullo] O que eu não percebi, inicialmente, é que, quando isso acontece, resta uma experiência consciente pura, sem amarras. Para mim, foi tremendamente pacífico e libertador. Essa foi a primeira parte do meu despertar. Mas mesmo a partir daí, não percebi que poderia ir mais fundo — muito mais fundo. Assim, ao longo de alguns dias, a visão inicial expandiu-se em algo que transcende completamente a dimensão humana — algo além de todas as formas que eu considerava como “eu” ou “o mundo”. Tudo isso foi desmantelado. O que restou é extremamente difícil de descrever em palavras, mas pode ser revelado através da investigação direta para aqueles que estiverem prontos.
[Narrador] Ninguém pode te dizer o que é a mente, o que é a matriz, o que é você. Para conhecer o imensurável, o inefável, a mente deve estar extraordinariamente quieta e silenciosa, sem movimento. Nesse profundo silêncio e quietude existe a possibilidade de encontrar o que é eterno, intemporal e além de toda medida.
[Shakti Caterina Maggi] Para usar uma metáfora, o despertar é como se sua cabeça — a cabeça do ego — fosse cortada pela vida. Você vê claramente que não é o corpo-mente, não é uma entidade dentro do corpo-mente. A cabeça foi cortada, mas continua rolando morro abaixo. Enquanto ela rola, ainda carrega velhos padrões, velhos esquemas, velhos pontos de vista. Mas eles não são mais alimentados por sua atenção. Você descansa na testemunha. Você vê esses velhos padrões se desenrolarem, mas não se envolve mais neles. Em algum momento, a cabeça para de rolar. Os velhos karmas cessam. Não surgem mais padrões para dissolver. Isso é Moksha — libertação.
[Shakti Caterina Maggi] O que tenho percebido é uma abertura progressiva para ver a vida não como uma pessoa dentro do corpo, mas como uma testemunha silenciosa e pacífica da vida. Às vezes havia apenas ação — sem um agente. Um cachorro latia… era apenas um latido no silêncio. Alguém caminhava… ou meu corpo caminhava… e era apenas o caminhar. Não havia um “alguém” caminhando. Isso vinha acompanhado de um silenciamento do diálogo interior que antes acompanhava minha vida.
[Shakti Caterina Maggi] Esses momentos de sair da sensação de ser uma pessoa começaram a ocorrer com mais frequência. E à medida que isso acontecia, tudo o que eu pensava que era — ou com o que estava envolvida na vida — começou a fazer mais sentido. Em vez de ver a vida como algo contra mim ou difícil, ou de pedir ou rezar por uma mudança, comecei a ver que tudo apontava para algo maior: para abrir mais meu coração. Comecei a perceber que o que antes eu via como acidentes, erros ou coisas que não gostava, não estavam errados nem eram contra mim. Na verdade, estavam me mostrando uma realidade mais profunda que eu ainda não havia tocado.
[Shakti Caterina Maggi] Assim, todas as orações tornaram-se mais como um “amém”. Um “que seja feita a tua vontade”. Os pedidos se transformaram em “me ajude a ver onde ainda estou resistindo à vida”. Onde ainda digo não ao fluxo da própria vida. E aí aconteceu uma abertura. Quanto mais me abria à vida, mais surgiam momentos de testemunho consciente. O despertar é apenas o começo dessa abertura. E, de certa forma, nunca termina. É uma abertura infinita. Quanto mais isso acontece, mais percebemos que aquilo que ainda vemos como difícil — como medo, como contração — é, na verdade, um trampolim para um amor maior. Uma dimensão de amor, paz e compaixão. E todos estamos dentro dela. Até mesmo aqueles que pensamos que não estão — eles também fazem parte disso.
[Bernardo Kastrup] Podemos saber que a consciência existe. Isso podemos saber com certeza. Todo o resto são suposições — talvez suposições muito boas — mas ainda assim, suposições. A consciência é o único fato pré-teórico da natureza. Todo o resto são abstrações teóricas que surgem dentro da consciência. A consciência é o único axioma da natureza. Que ela existe é a única certeza absoluta da natureza.
[Bernardo Kastrup] E posso garantir, com base no raciocínio e nas evidências empíricas vindas dos fundamentos da física e da neurociência da consciência, que é extraordinariamente improvável que a consciência não seja fundamental. Pensar na consciência como algo secundário ou epifenomênico leva a todo tipo de problema insolúvel. Portanto, há excelentes razões racionais e empíricas para considerar a consciência como um dos — ou o único — blocos fundamentais da realidade.
[Bernardo Kastrup] A física é fundamentalmente uma ciência da percepção. É uma tentativa de explicar os padrões e regularidades do mundo percebido. Não tenta transcender a percepção. Mesmo quando os físicos usam instrumentos como telescópios, microscópios ou osciloscópios, o resultado desses instrumentos ainda precisa ser percebido. Assim, tudo na física é filtrado pelo paradigma da percepção. A física é uma ciência da percepção. Portanto, ela não tenta ver além do físico ou da matéria — porque “físico” e “matéria” são apenas outras palavras para o conteúdo da percepção.
[Narrador] Todas as grandes religiões e tradições espirituais foram fundadas neste entendimento: de que existe uma realidade infinita e indivisível que brilha em cada um de nós como a experiência do “eu sou”, e que nos aparece como o mundo. Em outras palavras, existe um oceano do Ser, que constitui a base de todos e de tudo, do qual todos e tudo derivam sua existência, em que tudo vive e para onde tudo retorna.
[Narrador] Esse é realmente o princípio fundador de todas as grandes tradições religiosas: o reconhecimento da unidade do Ser.
[Narrador] O primeiro princípio hermético afirma: “O Todo é mente, o universo é mental.” Onde quer que olhemos, vemos a mente. Como disse Rumi: “Onde eu olho, vejo o rosto de Deus.” Seja observando o micromundo ou o macrocosmo do espaço, encontramos a mente.
[Narrador] Aqui vemos uma imagem dos neurônios humanos. Ao lado, uma simulação da distribuição da matéria escura no universo. A “Millennium Run” é uma simulação feita pelo Instituto Max Planck usando supercomputadores para modelar a distribuição e a evolução da matéria escura no cosmos. A matéria escura forma uma vasta teia cósmica de filamentos interconectados — visualmente quase idêntica aos caminhos neurais do cérebro humano.
[Narrador] O mesmo padrão aparece em toda a natureza. Podemos chamar isso de Mente, ou Deus, ou simplesmente “tudo o que é”.
[Narrador] E o que chamamos de Deus não é um ser externo, além e anterior ao mundo. Deus é o Ser que brilha em cada um de nós como o conhecimento “eu sou”, e aparece para nós como o mundo. Podemos dizer, do ponto de vista religioso, que o mundo é a manifestação da palavra de Deus — o Logos — e que nós somos localizações da mente de Deus dentro da mente de Deus.
[Bernardo Kastrup] Então, como uma única consciência universal pode parecer muitas? Por que não conseguimos ler os pensamentos uns dos outros? Por que não sabemos o que está acontecendo na galáxia de Andrômeda, ou na China neste momento? Por que nossa experiência é limitada e individualizada?
[Bernardo Kastrup] Bem, conhecemos um processo natural que faz exatamente isso — é chamado dissociação. Na psiquiatria, a dissociação é o processo pelo qual uma mente aparentemente se fragmenta em múltiplos centros desarticulados de consciência. Temos evidência empírica definitiva disso em humanos, por meio de imagens cerebrais.
[Bernardo Kastrup] E agora, com base na Teoria da Informação Integrada — a principal teoria na neurociência da consciência — estamos perto de formular uma descrição conceitual explícita de como isso acontece. Quando um limite dissociativo se forma, só podemos ver o que está do outro lado desse limite por meio da percepção. E o que percebemos é… matéria. Matéria é a aparência consciente da consciência através de um limite dissociativo.
[Narrador] Seja descrevendo esse processo com as teorias modernas ou com modelos antigos como os cinco skandhas, o essencial é que tornamos conscientes processos que antes eram inconscientes. E quando esses processos se tornam conscientes, a resistência dentro da estrutura do eu pode cair. A operação inconsciente do “eu” pode cair.
[Narrador] A percepção de ser um corpo físico, de sentir sensações no corpo, de conceituar objetos, de se identificar com preferências em relação a essas coisas, e a sensação de ser uma testemunha observando tudo isso — todos esses processos mentais são vistos como vazios de “eu”. Em outras palavras, nos desidentificamos dos fenômenos enquanto permitimos que eles sejam exatamente como são. Isso não é fugir da vida — é aprofundar a intimidade com ela.
[Bernardo Kastrup] Meu entendimento de que a consciência é fundamental e precede a fisicalidade mudou completamente minha experiência de vida ao longo dos anos. No começo, era só um conceito na cabeça. Depois, isso penetrou o corpo e começou a modular minhas emoções e sentimentos. E isso muda tudo: o que consideramos uma vida bem vivida, o que julgamos serem objetivos dignos, a percepção de nós mesmos, e nossa relação com outras formas de vida.
[Bernardo Kastrup] Objetivos pessoais ligados a status, poder e dinheiro… tudo isso desapareceu. O reconhecimento de que minha vida nunca foi, não é e nunca será “sobre mim”, mas sim sobre a natureza — e de que sou apenas uma manifestação local dela — trouxe um relaxamento profundo. A ansiedade de ter que ser “feliz” desapareceu. A ideia opressiva de que a vida é sobre mim, e de que tenho a obrigação de ser feliz, é uma das ideias mais pesadas que um ser humano pode carregar. Quando ela se vai, há alívio.
[Bernardo Kastrup] Isso é uma das coisas mais importantes que mudaram em mim. A compreensão profunda da realidade leva diretamente à empatia, ao respeito mútuo, e a propósitos não egoicos. Isso reduz os padrões de comportamento compulsivo. Não há dúvida de que, se essa compreensão se tornasse mais comum entre os humanos, a vida neste planeta seria radicalmente melhor.
[Narrador] A solução para os problemas do mundo é reconhecer a verdadeira fonte desses problemas: o ego — que opera apenas com base em seu próprio interesse. Não importa se o ego se manifesta em política, religião, economia ou educação: enquanto operar a partir da falsa premissa de que está separado do todo, continuará perpetuando o sofrimento e a separação. A única solução para a humanidade agora é acordar.
[Narrador] No budismo, quando não há mais senso de um “eu” como uma entidade separada — e, ao mesmo tempo, não há ninguém além do verdadeiro Eu — isso é nirvana. É o fim do egocentrismo, o fim da ilusão, o fim do sonho — e o despertar do personagem dentro do sonho da vida.
[Narrador] A Bíblia diz: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós.” “Verbo” é traduzido como “Logos” — uma palavra antiga com significado profundo. Logos está associado à eternidade, à verdade e à revelação direta. Pode-se dizer que é através do Logos — ou da Consciência Crística, ou da Natureza Búdica — que a mente de Deus é revelada.
